Carlos entrou em casa e jogou a chave do automóvel no criado que ficava ao lado da porta, o chaveiro deslizou com o barulho peculiar e bateu no enfeite de pedra sabão que a mulher adorava e ela parada ali perto, com olhar de censura pelo descaso do marido com o móvel de jacarandá escuro. Ele não deu muita atenção, a chuva, o trânsito caótico de Belo Horizonte e os problemas no Banco estavam preenchendo sua mente, deste modo, passou direto em direção a área de serviço sem ao menos olhar para a esposa.
Eram casados há mais de 10 anos, sem filhos. A faculdade, as constantes viagens e a busca por posições no conglomerado tinham produzido nele uma aversão por filhos, imagine só, sair no meio de uma reunião por conta de uma febre ou diarreia, ou acordar no meio da noite com o choro de um bebê, era incompatível com sua rotina. Carolina, sua esposa não partilhava dessa opinião, estava deprimida, sozinha, o marido não a deixava trabalhar, não tinha amigas, a família morava no Mato Grosso e ela praticamente não tinha contato com eles, sua vida era um vazio, preenchido apenas pelas compras no Shopping Center. Precisava ter algum objetivo, aquele sentimento de inutilidade, a vida fútil, o marido ausente estavam enlouquecendo-a.
– Carlos, precisamos conversar.
– Algum problema Carol?
Ela desanimava já na primeira resposta, se sentia como um funcionário que vai comunicar uma desgraça ao chefe, um boi no corredor do matadouro. Carlos era frio, sintético, sua praticidade era irritante, um ciborgue produzido pelas centenas de palestras e simpósios sobre eficiência administrativa e financeira. Aquilo era como uma doença degenerativa, ela estava doente, doente da alma.
– Não aguento mais essa vida Carlos.
– Que vida?
Além de tudo, fazia-se de desentendido, sabia perfeitamente dos problemas da mulher, mas contornava-os com presentes, promessas de reconsideração sobre filhos, era um negociador, trazia para dentro de casa o que aprendeu na profissão, contornar problemas da melhor forma possível.
– Como assim Carlos? Não se faça de bobo, estou cansada, quero fazer algo em minha vida, trabalhar, ser mãe. Você é um egoísta, me trata como um objeto.
– Carol, você está deprimida, já conversamos sobre isso, procure preencher seu tempo com coisas interessantes, você não precisa trabalhar, além disso não estamos preparados para uma criança ainda.
– Já tenho 34 anos Carlos, acho que já passou da hora
– Estou cansado, hoje o dia foi terrível no Banco, amanhã conversamos.
Aquilo foi a gota d’água, no outro dia quando chegou com um arranjo de flores para a esposa, só encontrou um bilhete. Carolina tinha voltado para o Mato Grosso. Nunca mais a viu, telefonemas e telegramas nunca foram respondidos.
Carlos nunca mais foi o mesmo, emagreceu, sem os cuidados da esposa suas roupas viviam mal passadas, desequilibrado acabou sendo demitido, foi ao fundo do poço mas acabou ajudado por amigos e arrumou um emprego que dava para se manter, quem o via não reconhecia mais o profissional austero de outros tempos.
Um dia recebeu uma carta, tinha uma foto de Carolina grávida, cerca de 7 meses, era vingativa, dizia-se realizada entre outras provocações. Ele não suportou, colocou uma bala no tambor do Taurus calibre 38, rodou diversas vezes e encostou o cano no ouvido, puxou o cão e disparou, perdeu a vida em um investimento de risco, de 6 por 1.
Em memória do Carlos, publicamos isso ao som do AC/DC